sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Praxistas de Santarém responsabilizam caloiros num julgamento "histórico"

Começou esta quinta-feira o primeiro julgamento em Portugal por violência e humilhação nas praxes académicas. Seis membros da comissão de praxe da Escola Agrária de Santarém em 2002 responderam por ofensa à integridade física. Quem assistiu à primeira sessão do julgamento foi o deputado bloquista José Soeiro, que prepara o relatório da comissão parlamentar de Educação sobre praxes.
Este relatório surgiu na sequência da intervenção em plenário de José Soeiro, e a comissão parlamentar de Educação, Ciência e Cultura enviou cartas a todos os estabelecimentos de ensino a pedir o esquadramento destes rituais académicos em cada escola. No tribunal de Santarém, Soeiro afirmou que "Hoje é um dia histórico. É preciso que se tome consciência que as leis não podem ficar à porta das escolas".A estratégia de defesa é de negar a coacção exercida na praxe, alegando que os caloiros que barraram a queixosa com excrementos de porco "se voluntariaram" para o efeito sem que ninguém lhes desse ordens para tal. Na sala de audiências, aos seis acusados da comissão de praxe juntou-se um sétimo, acusado de coacção. O primeiro acontecimento que o tribunal analisa e que fundamenta a acusação é o castigo que obrigou Ana Santos a ajoelhar-se e a ser barrada com excrementos de porco "na cara, no pescoço, peito, costas, barriga, cabelo". A queixosa, que acabou por abandonar a escola depois de ter apresentado a queixa, diz que os caloiros que a humilharam fizeram-no sob as ordens dos seis arguidos, como castigo por Ana ter atendido uma chamada da mãe no seu telemóvel. O segundo acontecimento em julgamento passou-se mais tarde no mesmo dia, quando Ana regressou à escola e outro aluno deu ordens a dois caloiros para que a segurassem pelas pernas para que fizesse o pino com a cabeça mergulhada num bacio com excrementos.Os arguidos rejeitam as acusações (à excepção de um que preferiu não prestar declarações ao tribunal) e dizem que tudo aconteceu "voluntariamente". Na versão dos praxistas, a caloira Ana "ajoelhou-se voluntariamente" depois de receber o telefonema, e logo de seguida um grupo de caloiros "voluntariou-se" para ir buscar excrementos para a barrar, tudo sem quaisquer instruções dos arguidos que comandavam o ritual de praxe. No segundo caso, o arguido Tiago Figueiredo, que não pertence à comissão, declarou ao tribunal que terá perguntado a Ana se conseguia fazer o pino com a cabeça num penico e que foi com a concordância dela que obteve a "ajuda" de dois caloiros para lhe segurarem as pernas.Os caloiros que participaram no ritual de violência e humilhação de Ana são todos testemunhas no processo e também prestaram declarações na primeira sessão. Um deles, que havia dito na fase de inquérito em 2002 ter sido obrigado pelos membros da comissão de praxe a espalhar os excrementos pelo corpo de Ana, mudou a sua versão dos factos e diz agora que não houve coacção dos praxistas. Um facto que levou o Ministério Público de Santarém a accionar um procedimento criminal por "falsidade de testemunho, perícia, interpretação e tradução". Alguns dos restantes alegaram falta de memória sobre os factos e outros alinharam com a versão dos arguidos sobre a "espontaneidade" das decisões para violentar Ana Santos.A próxima sessão está marcada para segunda feira, altura em que serão ouvidas as restantes testemunhas do processo e, se a duração da sessão o permitir, a própria Ana Santos, que deverá contrariar toda a versão dos arguidos, inclusive no ponto em que eles disseram ao juiz que qualquer pessoa pode declarar-se anti-praxe e não participar nestes rituais. É que foi precisamente depois de se declarar anti-praxe que Ana foi submetida aos crimes num ritual de praxe que pela primeira vez está a ser julgado em Portugal.

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