segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Refer inspecciona vias para evitar surpresas como a do Tua

tua_mostlybytrain.jpgO encerramento da linha Figueira da Foz-Pampilhosa, há oito dias, por falta de condições de segurança, apanhou de surpresa a CP, se que viu obrigada pela Refer a suspender o serviço de passageiros naquele ramal. A situação não é inédita - o encerramento do túnel do Rossio, há quatro anos, foi decidido na véspera e também ditado por motivos de segurança -, mas levanta a questão sobre a maneira como é feita a conservação das linhas férreas portuguesas, cuja monitorização mais cuidada só agora está a ser feita na sequência do último acidente da Linha do Tua.

As atenções da Refer dirigiram-se subitamente para as linhas de reduzido tráfego, onde a fraca velocidade dos comboios e o escasso número de passageiros têm protelado o investimento na manutenção em favor dos eixos ferroviários mais importantes.Em Novembro passado, um relatório interno da Refer dava conta de um risco iminente de descarrilamento na via que liga Figueira da Foz e Cantanhede a Coimbra, o que levou, um mês e meio depois, à súbita interrupção da circulação para ali se realizarem obras de modernização.

Perante este encerramento não programado é caso para perguntar quantas vias-férreas no país correm o risco de vir a fechar por se descobrir, tarde e a más horas, que a sua manutenção se revelou insuficiente ou foi mesmo nula. Isto é: quantas linhas estão por aí "esquecidas"? A um conjunto de perguntas do PÚBLICO acerca da conservação e manutenção das linhas, a Refer nada respondeu. Mas é possível identificar, mediante as datas das últimas intervenções nas vias e com o conhecimento no terreno, quais os troços mais abandonados e a necessitar de urgente reabilitação.

Num país de assimetrias regionais, não é de estranhar que os carris mais velhos e as travessas mais podres se situem no interior. São as pontas da rede: Pinhão-Pocinho, Portalegre-Elvas, Olhão-Vila Real de St.º António. Aqui a segurança não está posta em causa porque as velocidades são baixas e adequadas ao estado da via, mas a falta de manutenção agrava o processo, o que se traduz em velocidades ainda mais baixas, menos passageiros e uma linha, a prazo, fechada para obras para evitar más surpresas.

A Refer tem planos desde 2007 para investir 30 milhões de euros na linha para Elvas. No Douro nada está previsto e no Algarve as indefinições do poder político não ajudam a tomar decisões sobre o grau de intervenção. Afinal, ainda está prometido pelo Governo um TGV de Évora a Beja, Faro e Sevilha. Para quê recuperar a linha que ainda existe?

Situação diferente são os três troços da Linha do Norte que aguardam uma modernização que Mário Lino mandou parar porque - mais uma vez - vem aí o TGV. Por isso foi dada ordem para se estudar intervenções mais leves, que, contudo, tardam em avançar.

Resta a Linha de Cascais, onde, graças ao elevado volume de tráfego, não se descuidou a manutenção, mas com custos cada vez maiores devido à sua degradação. A Refer anunciou obras para 2006 no valor de 150 milhões de euros, mas o investimento não avançou.

A médio prazo outras linhas se podem juntar a estas, como é o caso da do Oeste (Lisboa-Figueira da Foz), que não é alvo neste momento de uma manutenção preventiva metódica.


150 milhões de euros foram anunciados em 2006 para uma intervenção na Linha de Cascais que não chegou a ser feita

a O empeno da via que motivou o acidente no Tua é visível a olho nu e há 30 anos teria sido facilmente identificado pelos operários de via que, divididos em brigadas, estavam afectos a secções de linha (distritos) e eram responsáveis pela sua manutenção. A partir da década de noventa as equipas de renovação integral da via da CP (e mais tarde da Refer, aquando da sua criação) foram extintas e alguns troços passaram a ficar abandonados. Um exemplo paradigmático foi a revisão integral da linha entre Régua e Pocinho, que chegou a estar planeada mas não avançou porque foi extinta a equipa de manutenção da Refer que ali existia. O novo paradigma - recurso ao outsorsing - levou a situações hoje conhecidas como o processo do Carril Dourado (roubo de carris por um empreiteiro da Refer) e a casos de corrupção nas mãos do Ministério Público devido a conluios entre quadros da empresa e fornecedores privados.

Há 40 anos, se um operário de via detectasse um carril fracturado tinha até direito a um bónus no salário. Mas hoje a Refer dispõe do EM120, um veículo que faz inspecções periódicas à via e assinala com um jacto de tinta amarela os defeitos na linha. O computador de bordo produz registos e gráficos com os parâmetros geométricos da infra-estrutura através dos quais se podem programar as reparações. Talvez devido à fé na tecnologia, a maioria destes trabalhos não é feita de forma preventiva, mas sim após a detecção de problemas. C.C.

A Quando o autocarro pára em frente à estação de comboios da Figueira da Foz, ouve-se um murmúrio de alívio no interior do veículo. "Estamos a demorar mais vinte minutos do que com o comboio", diz Anisete Ramos, de 85 anos, olhando para o relógio com reprovação. Para muitos passageiros, esta é a primeira vez que fazem o percurso entre a Pampilhosa e a Figueira da Foz de autocarro, desde que a linha ferroviária foi encerrada há cerca de uma semana. E apesar de haver quem não se queixe da mudança, todos os utentes parecem ansiar pelo regresso do comboio.

Da Pampilhosa à Figueira da Foz são apenas cinquenta quilómetros de distância, mas o percurso de autocarro, que atravessa os concelhos da Mealhada, Cantanhede, Montemor-o-Velho e Figueira, demora cerca de duas horas a ser cumprido. As estradas são sinuosas e estreitas. Nas aldeias, o autocarro debate-se em manobras para se libertar das ruas angulosas. Por vezes, há pequenos enganos no caminho e a impaciência vai crescendo. "Podiam pôr o autocarro na linha que ao menos era sempre a direito!", diz uma idosa, que vai sentada na primeira fila, junto ao motorista.

Os novos horários do serviço foram afixados pela CP em todos os pontos de paragem do ramal, mas em alguns apeadeiros ainda há utentes que aguardam a chegada do comboio. "Estão à espera do comboio? O comboio agora vai na estrada!", exclama Anisete Ramos. Por vezes, o revisor da CP desce do autocarro e certifica-se de que ninguém fica para trás. "Para a Figueira da Foz, vai alguém?", questiona.

A alteração dos horários é aliás um dos aspectos que mais preocupam o presidente da Câmara Municipal de Montemor-o-Velho, Luís Leal, que afirma que o novo serviço é algo "incompatível" com os horários do comércio tradicional. E lamenta também que a viagem esteja a durar mais meia hora do que com o comboio.

Mas o fundamental, dizem os utentes, é que a linha seja recuperada e que o comboio volte a circular. Luís Magalhães, estudante de vinte e dois anos, apanhou o autocarro na Pampilhosa e vai sair na paragem de Limede, em Cantanhede. É a primeira vez que utiliza o novo serviço e não se mostra muito incomodado com a mudança. "Espero que o comboio volte, mas se o serviço de autocarros for bem assegurado não haverá muitos incómodos", afirma.

Muitas pessoas procuram saber por quanto tempo estará a linha encerrada, mas, para já, a CP ainda não deu qualquer resposta. "É desta que nos vão encerrar a linha", comenta uma utente. O autarca da Mealhada, Carlos Cabral, não acredita nessa possibilidade e diz mesmo que, através de informações que recolheu, prevê que o ramal da Figueira da Foz possa ser reaberto dentro de dois anos. "Até lá, há que ser paciente", afirma.

A linha é utilizada sobretudo por estudantes e muitos idosos que se habituaram, durante anos, ao comboio. Alguns falam dele quase com afecto: "No autocarro também se têm vistas bonitas, mas a viagem de comboio é diferente. Há muitos anos que fazia esta linha e gosto muito", refere Anisete Ramos.

Apesar de reconhecer que os idosos são os que mais dificuldades de adaptação sentem, Luís Leal defende que a interrupção da circulação é também uma "oportunidade" para modernizar o ramal. "Esta linha tem que ganhar qualidade também no transporte de mercadorias, que é muito importante para a região", nota.

Fonte: Público

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